terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Corre, Forrest, Corre.


Corre, Forrest, corre.
Semana passada, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), deu uma declaração pra lá de infeliz sobre o estupro. Em resumo, ele disse que não estupraria uma das deputadas (Maria do Rosário, PT-RS) porque ela não merecia ser estuprada. Isso chegou ao ponto de ele ser denunciado pela Procuradoria Geral da República por incitação ao estupro.

O deputado ainda tentou se justificar dizendo que, antes, a deputada o havia chamado de estuprador.

É claro que ele tem liberdade de expressão, E é claro que ele tem liberdade de opinião. Mas ele também tem o dever do respeito aos outros representantes e principalmente, a quem ele representa. E deve ter a certeza de enfrentar as consequências sobre seus atos. Simples assim.

E muitos já o defenderam,aceitando sua justificativa.

Entendo que alguns concordem com ideias do Bolsonaro (não concordo com muitas das ideias, mas, fazer o que: democracia é isso). Entendo até que algumas pessoas considerem o Bolsonaro um legitimo representante de alguma coisa (e eu não concordo no que, exatamente). Mas, continuar apoiando o Bolsonaro inclusive nestas situações é passar um cheque em branco para qualquer posição que ele venha a ter. Como, por exemplo, uma nova intervenção militar - coisa que nem os militares querem.

Quando o representante vai até o parlamento para dizer um absurdo destes, é hora de fazer ele perceber que "se você for por aí, vai estar sozinho".

Ao mesmo tempo, a situação (do qual, ironicamente, o Bolsonaro faz parte) já lançou armas contra o deputado, enquanto a oposição, em sua maioria, silenciou.

Mesmo quando você sente que o Bolsonaro é seu representante... ele não é seu representante para falar o que quiser. Você não votou nele para que ele falasse absolutamente o que quisesse no Plenário. Mas para defender seus interesses, opiniões, maneiras de pensar. Para defender o que você acredita. E eu acho que a defesa do estupro (ou mesmo tratar o assunto de maneira tão leviana) não é um dos seus interesses, opiniões ou maneira de pensar. Se for, OK.

Pare, Forrest, Pare.
Quando ele (ou algum qualquer) defende uma coisa dessas, está colocando em risco o seu mandato e, portanto, a representatividade que você colocou na mão dele. Não está respeitando o fato de que você votou nele, o colocou ali. Está simplesmente se preocupando com o fato de que ele quer falar o que quiser, quer colocar sua opinião, etc.

Então, pare e pense antes de defender o Bolsonaro neste caso. Você não está defendendo o seu representante, está defendendo um discurso que, no final das contas, pode estar apontando para um absurdo que você. em momento algum, pensou em apoiar.

Em tempo: também não votaria da deputada por ter chamado o Bolsonaro de estuprador, sem provas. Ou, se tem provas, que as leve a polícia.

Fazendo isso, ela também trata o estupro de forma leviana.

domingo, 7 de dezembro de 2014

É o golpe, é o golpe!

É o golpe da direita reacionária hidrófoba, quero dizer, lobo.

Já reparou que, para o governo e seus apoiadores, qualquer manifestação, opinião, procura pela justiça, crítica é sempre acompanhada de uma afirmação de que é "golpe"?

Vamos lá: em primeiro lugar, não acredito em teorias conspiratórias gigantescas de iluminattis ou de Códigos da Vinci. Simplesmente porque o gasto de energia e recursos para manter um movimento deste tamanho é imenso, e ninguém se coloca numa empreitada dessa se os benefícios obtidos forem menores do que seus gastos - e aí incluo também qualquer esquerda, mesmo a mais extremada. Fora isso, manter um grupo de seres humanos extremamente poderosos (com poder econômico, político ou popular) coeso requer um grau de aderência a um projeto milenar que só se vê em poucas e boas histórias de ficção. Sempre vai haver um Batman pronto a acabar com a Liga da Justiça no primeiro movimento estranho. Mas acredito sim num mover de mentes, numa "massificação" de uma ideia quando ela é amplamente difundida, repetida, e usada em qualquer situação. Já falei disso aqui na tentativa de livrar Getúlio Vargas de sua identificação com a ditadura, com golpe, com o fascismo e com a perseguição à imprensa e a liberdade política (Escolha sua ditadura).

Como brasileiros, a maioria de nós (os pensantes, ao menos) execra os termos "golpe" e "ditadura". A grande maioria de nós não quer voltar a qualquer ditadura (e a situação e os partidos do eixo situacionista faz questão de adjetivar essa ditadura, especificamente a militar) e todos ficamos tentados a eriçar os pelos quando ouvimos a palavra "golpe".

Proposição para um símbolo de um
eventual próximo golpe militar.
Pois bem. O marketing do partido situacionista (algo que funciona perfeitamente bem, temos de reconhecer) tem repetido com uma constância avassaladora o termo "golpe" para qualquer situação que se apresente desfavorável. Um discurso mais forte no congresso é indicado como "tentativa de golpe". Uma manifestação contrária ao governo, ainda que popular, "é golpe". Uma revista que publica notícias contra o governo é "mídia golpista". Um cidadão que se apresente a favor de uma auditoria nas urnas é "golpista" e quer ter um "terceiro turno das eleições".
OK, há alguns cidadãos que defendem a "intervenção militar" para salvar nosso amado e querido Brasil da república bolivário-cubana, que, aí sim, eu concordo: intervenção militar é um nome mais polido para golpe. Só que o marketing do partido situacionista, claro, aproveita esse movimento desses cidadãos (apesar de eu achar completamente errado, eles tem todo o direito de fazer isso) para misturá-lo com as oposições. E note o "as oposições" no plural. Ainda que essas oposições se apresentem como democráticas. Juntar tudo no mesmo pacote é o mesmo discurso que a candidata oficial usou em sua campanha, de que os projetos sociais iriam acabar caso ela não fosse eleita: o discurso do medo. "Nos somos péssimos, mas os outros defendem coisas bem piores".

General Olímpio Mourão Filho.
Presente na história brasileira.
A questão não é simplesmente a situação ficar repetindo isso. A questão é o discurso acéfalo, repetitivo e  homogenizado de alguns apoiadores, vendo fantasmas de golpe em todo o lugar. Eles foram muito bem adestrados em acreditar que fora dos limites de nossa ilha de paz e prosperidade do governo atual existe um mundo conturbado e sem razão*.

Golpes se evitam não a ficar vendo fantasmas e ameças em tudo que é contra o governo - daqui a pouco, a justificativa do golpe vai ser a mesma de sempre, para salvar a nação de sua população. Golpes se evitam com educação, com o fortalecimento dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), com o fortalecimento da imprensa livre de influência governamental. É é uma corrente: a imprensa livre força o governo a tomar as medidas corretas, os poderes fortalecidos conseguem dar uma melhor qualidade de vida a população, inclusive em sua educação, e uma população bem educada pode receber as informações de uma imprensa livre e julgar se são de confiança ou não, realimentando o ciclo.

Golpe, e mesmo falar em golpe, é uma coisa séria. Lembre-se de que o que "justificou" o golpe de 37 e também o golpe de 64 foram ameaças de outros "golpes" - o plano Cohen e a ameaça comunista, e que a mesma pessoa estava envolvida nos dois (Olímpio Mourão Filho, primeiro como capitão e depois como general do exército). Chega-se ao ponto de chamar esses movimentos de "contragolpes" por causa disso.

Pois é: falar em golpe em ações democráticas como manifestações (cidadãos na rua defendendo uma auditoria nas urnas), discursos no congresso (como não está acostumada a uma oposição, a situação fica pedindo que se "desça do palanque"), ou mesmo a votação da lei do calote (a que mandou a Lei de Responsabilidade Fiscal para o limbo - aliás, parabéns oposição pelas 19 horas de cansaço) é apenas marketing do governo, mas pode levar a uma justificativa de um novo golpe.

Ficar repetindo isso sem qualquer critério é apenas imbecilidade, mesmo.

Ah, e antes que me perguntem, eu não classifico as mentiras e métodos utilizados para conquistar a eleição como "golpe" e para se livrar da lei de responsabilidade fiscal. Foi apenas crime e canalhice, mesmo.

David Araújo

PS.: Pra não esquecer, como os parlamentares votaram em relação à LRF, do site Congresso em foco:
Votação da morte da LRF.


É o Lobo! © HannaBarbera.

* Bem Brasil, Premeditando o Breque.







domingo, 30 de novembro de 2014

Armação Ilimitada

Nem sempre a luz está no fim de um túnel.
Poucas vezes, uma fala isolada de um personagem fictício se gruda num neurônio qualquer, e fica martelando aleatoriamente, querendo meio que explicar um monte de coisas que você observa e percebe em seu universo real. E num número ainda menor de vezes essa frase fica por anos, pipocando de vez em quando na memória. Todo resto da obra pode ser esquecido, ou ficar fazendo aquelas cócegas de coisa boa no cérebro, mas a fala fica pra sempre.
A frase está me martelando faz algum tempo vem dos longínquos tempos de Armação Ilimitada, a série da Globo, de um episódio chamado "É o Fim do Mundo", que conta mais ou menos o que o título diz. O episódio é de 1986, 1987, eu acho, e assisti na estréia - o que revela tanto o quanto a fala ficou marcada quanto a minha idade :).
Para quem não conhece, a série conta as aventuras dos surfistas Juba e Lula, da namorada dos dois, Zelda Scott, e do Bacana, uma criança "adotada" pelos surfistas - como se pode ver. Bom, em resumo, o mundo está acabando, guerra, armas nucleares (o grande medo daquela época, em proporções que hoje não são muito bem compreendidas - apesar de o perigo continuar), apocalipse, invasão espacial - sério, eu não me lembro qual o motivo. E de repente, o Bacana, em meio daquela destruição toda solta a fala que fica gravada no meu cérebro pra sempre:
O nome "Armação Ilimitada" é só uma coincidência.
Não tem relação com a atual política.
- Tá certo que o mundo tinha que acabar, mas tinha de ser logo na minha vez?
Nem garanto que a frase é exatamente esta. Acredito que ela foi burilada por mim uma centena de vezes, ou a cada vez que a repeti - como qualquer boa história. Mas o sentido é o mesmo:
- Tá certo que o mundo tinha que acabar, mas tinha de ser logo na minha vez?
Nos últimos tempos, tenho escutado uma outra versão dessa frase, com um cunho eminentemente político:
- Tá certo que, uma hora ou outra, o Brasil iria ter de começar a realmente julgar, condenar e prender os corruptos. Mas tinha que ser logo na vez do meu partido?
Em resumo, um mimimi porque hoje os casos de corrupção estão vindo à tona, devido a imprensa livre, Polícia Federal e Ministério Público atuantes, etc. etc. etc. e que isso prejudica a imagem do seu partido, enquanto outros, que cometiam os mesmos crimes no passado vão sair ilesos.
Balela e falácia, claro.
-O que? Problemas na Eletrobrás também? Oba!
Mais investigação! Esse governo é supimpa!
O fim do mundo, na ficção e na política, só ocorre quando os motivos para que se chegue nesse ponto se tornem insuportáveis. Antes disso, ele dá diversos avisos, dá uma chance de se aliviar a pressão e adiar ainda mais a catástrofe. Dizer que "sempre foi assim" é querer negar que hoje a coisa atingiu níveis inimagináveis de desvios, aliados a uma fé inabalável na impunidade somados numa crença salvadora de que "fora do meu partido, não há salvação", o que justifica qualquer ação do partido - tanto pelos que realmente tinham ganhos diretos com essas ações quanto pelos que votam "criticamente', convencidos do destino messianico da sua legenda.
A defesa religiosa do partido tenta se desviar da razão, se referindo sempre ao passado: "Sempre foi assim" (ou, "já estava assim quando eu cheguei", ou, para citar outra frase marcante "Eu não fiz isso!").
Ou mesmo dizer que "agora sim, estamos investigando". Virou uma justificativa para os fiéis: o governo deixou, intencionalmente, que as coisas chegassem nesse nível para que se pudesse investigar - ou seja, até mesmo o nível de corrupção vira propaganda. O que muitos não percebem (ou abraçam o cliché de não querer perceber) é que a realidade não é "nunca houve tanta investigação de corrupção" mas sim "nunca houve tanta corrupção para investigar".
A mudança parece pequena, mas é substancial para entender o que está se passando.
E, quanto aos crimes cometidos no passado, ninguém acredita que os governos anteriores primaram pela falta de corrupção. A questão é que não se apresentam provas oficiais - e, se há provas, o governo atual as esconde com uma estratégia inédita de proteger aqueles a quem acusa - mantendo sempre a sombra da corrupção sobre os inimigos.
Então, mais uma vez, quando alguém disser:
- Tá certo que, uma hora ou outra, o Brasil iria ter de começar a realmente julgar, condenar e prender os corruptos. Mas tinha que ser logo na vez do meu partido??
A resposta é simples: tinha sim.





sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Qual é o problema da Lei de Responsabilidade Fiscal para que o governo queira alterá-la?

Eu tenho plano! Ou um projeto de lei, tanto faz.
A principio, nenhum. Ao contrário, ela serve para que as contas fiquem minimamente equilibradas. Para que quem está saindo não assuma custos às 23h59min de seu último dia de mandato. Para que não haja heranças negativas (de verdade) para quem está entrando. Para que haja previsibilidade de gastos.

O país já havia se acostumado (um erro) com a contabilidade criativa do governo. Já havia entendido que muitas estatísticas haviam sido escondidas em período eleitoral para beneficiar a candidata. Agora, mais do que simplesmente mexer em números, o governo quer destruir uma das poucas leis do Brasil que dão alguma razoabilidade à necessidade de governança: A Lei de Responsabilidade Fiscal. E, a mudança, da forma como está sendo proposta, tem o potencial para causar (e eu acredito que certamente causará) ao país um rombo bem maior do que o Mensalão, o Petrolão, o Choquezão (companhias elétricas e geração de energia... é o próximo, alguém dúvida?), o Estradão, o Correião e por aí vai.

Satanésio nega sua participação
na derrubada da LRF:
"Ninguém me pagou."
O governo federal, gastou, este ano, muito mais do que arrecadou. E, conforme as palavras da própria presidente, "para ganhar a eleição a gente faz o diabo". E, pelo jeito, fez o diabo, o fez superfaturado e pagou também por Lúcifer, Satanás e Belzebu, em notas fiscais frias (se é possível nesse caso). E, agora que já gastou, não quer sofrer as consequências da lei que deveria resguardar.

Para fechar as contas, propõe-se então retirar integralmente os gastos com o PAC (por que ele entende que estes gastos são investimentos) de custos. É o mesmo governo que não permite que você desconte todos os seus gastos com saúde, educação e segurança (gastos que você tem pelo simples motivo de o governo não providenciar esses direitos com qualidade) do seu imposto de renda.

Essa tentativa de se derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal foi iniciada pelo senador Romero Jucá, da base do Eixo (já disse que é difícil chamar essa base governista de "aliados"). É essa lei que garante - e principalmente, responsabiliza - que os agentes públicos (por exemplo, prefeitos, governadores e presidentes) vão manter as contas em dia, e que vai sobrar algum, pelo menos para pagar os juros das dívidas antigas. Antes desta lei, cada governante gastava o que queria e deixava a conta para o sucessor. É claro que o pessoal do Eixo não estão chamando de "derrubada" da lei, mas apenas explicando enfática e didaticamente que alguns termos serão "adaptados" para corresponder a realidade dos dias de hoje.

Mesmo que o governo já pudesse descontar 67 bilhões desta conta.

Quer mais. Quer criar o primeiro superavit negativo do mundo.
O próximo Ministro da Fazenda
deveria ter estudado aqui.
O aprendizado iria combinar, e
o lema é apropriado.
Ah, tá.

Em resumo, aprovada essa mudança, governante vai poder gastar mais - ou melhor, vai poder desconsiderar alguns gastos que ele já fez - sem se preocupar em estar dentro ou fora da lei.

O problema não está em gastar. Já sabemos que o governo gasta muito  e gasta mal. O problema está nas ameaças feitas ao país na pressão por aprovar essa "elastividade" (o país vai parar! a responsabilidade é do congresso! É um golpe! A oposição não saiu do palanque!). Não há discussão do porque se gastou mais. Há apenas o fato e a atitude do governo de dizer "o Brasil é assim mesmo"

Não é. Ou, se é, não deveria ser.

O governo, conforme já demonstrou, não está preocupado com as contas do país. Isso se ajeita, na linguagem situacionista. Também não está preocupado com a imagem do país lá fora.

A única preocupação com a imagem do país seria demonstrada por evitar fazer esse tipo de "acochambramento", "gambiarra" ou "xunxo" para equilibrar as contas.

Mas o governo preocupado apenas com sua própria imagem, perante os eleitores (falaremos nisso num próximo post) e, principalmente, em não ser enquadrado nessa lei.

Simples assim.

Por que? Simples: se enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal, a presidente não poderá assumir o cargo. E, se tiver assumido, poderá perdê-lo.

É isso, e apenas isso, o que preocupa o governo.


David Araujo

Satanésio de Ruy Perotti,
Metralha Azarado da Disney. Não, eu não mudei o número da plaquinha.
Ou você pode ver na Wikipedia: LRF-Wiki.

domingo, 16 de novembro de 2014

Escolha sua ditadura

Vem, ditador, que eu tô facinha.
Nos últimos anos, tem havido uma quantidade cada vez maior de notícias, filmes, livros, informações, posts sendo publicados sobre Getúlio Vargas. E, na maioria esmagadora das vezes, são informações muito, muito, muito positivas e/ou elogiosas a respeito do ex-presidente.

Ele foi até mesmo incluído no livro dos Heróis da Pátria, em 2010.
Nada melhor do que termos sempre novas informações sobre as figuras históricas, mas isto parece mais um "resgate útil" da figura do presidente do que novas informações surgindo.

Getúlio foi conhecido como "pai dos pobres". Foi através de acordos diplomáticos com os EUA que Getúlio conseguiu a instalação da maior usina siderúrgica da América Latina, a CSN. A CLT é fruto de seu esforço, assim como o salário mínimo e o 13º salário. Também soube se utilizar do peso do Estado para industrializar o Brasil (a Petrobrás é um exemplo disso).  
Simbora, que vai dar praia.


Mas o próprio termo "Pai dos Pobres" foi criado pela própria máquina estatal, através do DIP. O acordo diplomático foi uma forma de os EUA pressionarem o Brasil para que não entrássemos na II Guerra do lado da Alemanha e Itália (governos com quem Getúlio, que era nitidamente fascista, admirava). Possivelmente a CLT é inspirada na Carta del Lavoro, do governo fascista de Mussolini (esta afirmação também é uma das que começou a ser contestada, sempre nos últimos anos). Tinha fortes e sérias ligações com Hitler e Mussolini, e o comunismo foi duramente reprimido no país, sendo o partido comunista banido e seus membros perseguidos (o que pode parecer uma ótima atitude para alguns direitistas mais empedernidos). Houve até uma simulação de golpe comunista no país - o plano Cohen.

Quem criou o plano Cohen foi um capitão chamado Olímpio Mourão Filho. Este plano foi o que "justificou" a implantação do governo ditatorial de Getúlio no Brasil em 1937 - para proteger o Brasil dos comunistas. Anos depois, foi revelado que o documento era apenas uma "simulação" para preparar a ação para um eventual golpe comunista real. Mas, como foi tomado como real (intencionalmente, na minha opinião), estavam criados o ambiente, os meios e a decisão de se implantar uma ditadura.

Numa daquelas coincidências que a história nos brinda, quando chegamos a 1964, o primeiro militar a telefonar para os quartéis do Brasil inteiro dizendo "minhas tropas estão na rua!", e precipitando o golpe foi um general chamado... Olímpio Mourão Filho.

Getúlio era um ditador. Com apoio popular, mas era um ditador, do mesmo jeito que Mussolini ou Hitler tinham.

Muitos dizem hoje que, à época, era necessário.

Eu digo não. Da mesma forma que não precisávamos da ditadura dos anos 60-80. Seja ela militar ou não.

Uma ditadura (militar ou civil) é sempre implantada do mesmo jeito: para salvar a população de si mesma. Não existe ditadura popular.


O homem era uma metamorfose ambulante, tipo o Raul.
Mais alguém?
Do ponto de vista das liberdades e dos direitos, não houve grandes vantagens em estabelecermos ditaduras no país. Nem a do Estado Novo, nem a de 64. Ambas foram fundadas com base em medo e mentiras.

Não disse que não houve avanços. Digo que atribuir a conquista de direitos a uma ditadura é, no mínimo, um uma hipocrisia, e no máximo, estupidez. Direitos só são atribuídos permanentemente quando há maturidade suficiente da sociedade para garanti-los. Só um exemplo: o mesmo Getúlio que "liberou" o voto feminino em nível federal em 1931 (o voto das mulheres já era comum em muitos estados da federação) , fechou a Aliança Nacional das Mulheres, entidade que prestava assistência jurídica às mulheres, no golpe de 1937.

Ditaduras atendem a interesses de poderosos. Sejam eles burgueses, industriais, líderes ou políticos.

Não há ditaduras para proteger os interesses da população.
Precisa sim, mas de olhos bem abertos
para não cair nessa conversa mole.


Mas a história é contada pelos vitoriosos. E hoje, quem está no poder (e seus satélites regiamente recompensados, e os idiotas úteis para o regime) tem a necessidade de criar uma imagem de um herói e um mártir, para que atitudes semelhante sejam justificáveis.

E está cabendo a Getúlio a este papel, neste momento.



Panteão dos Heróis da Pátria
Getúlio Vargas
Plano Cohen
Olímpio Mourão Filho

sábado, 8 de novembro de 2014

Pra todo mundo que defende uma intervenção militar

Na lista de coisas que eu não vou sentir falta, está a intervenção militar.
Para todos que defendem uma intervenção militar agora no Brasil, só porque seu candidato perdeu. Ou porque o estado de coisas a que chegou o país é insuportável. Ou porque tem a certeza de uma revolução bolivariana está a caminho por causa do Foro de São Paulo:
Não. Não defendam.
Vocês armaram, vocês que desarmem. Tô fora.
Para todos aqueles que estão defendendo o impeachment da presidente eleita já, mesmo que não haja ainda um julgamento:
Não, não defendam.
Não há muito mais o que falar. Democracia é isso, o governo da maioria. Ou, pelo menos, da maioria que se interessou por política, que se interessou em votar. Da maioria que foi manipulada de um jeito ou de outro. Mas, ainda assim, da maioria.
Não defendam uma intervenção militar.
Defender uma intervenção militar é defender que a mesa pode ser virada quando não se gosta do resultado do jogo. Defender que o povo brasileiro não sabe votar, e que ele tem de ser tutelado por um grupo qualquer. É tirar do povo o direito de errar e aprender.
É querer impor a sua vontade ao resto do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, entregando-a a outros grupos.
Deixe que os militares defendam o Brasil das ameaças externas, não de si mesmo, dos votos de sua população.
Não há outra forma de ganhar numa democracia: votando e sendo votado. Elegendo e sendo eleito. Aprendendo e ensinando. Crescendo com a democracia.
Não confundo democracia com utopia. Ela tem muitas falhas.
Mas a liberdade do país, de sua população, crescer e amadurecer sua própria democracia não pode ser interrompida; está descontente? Trabalhe para que tudo mude. Informando-se. Conquistando mentes através de discussões, conversas, presenças, críticas fundadas.
Não defendam um impeachment sem o processo legal. Sem investigação.
Não há processos, não há julgamento quanto à presidente. Não há motivos para impeachment.
Já devíamos ter aprendido: não se dá um golpe para evitar um suposto golpe.
Defendam a investigação. Defendam os resultados. Defendam o patrimônio do país, a Petrobrás.
Deu trabalho chegar aqui. Nada de jogar fora.

Mas não defendam impeachment sem motivos reais.
Sem ela – por mais que não seja perfeita – não nos diferenciaríamos dos países que criticamos. Seríamos mais uma ditadura.
A ameaça de intervenção militar ou de um golpe de impeachment já é, em si, motivo para um golpe governista.
Motivo para vitimização.
Motivo para quem defende isso ser classificado como antidemocrata.
Não somos 50%. Mas também não estamos off.
Você, de oposição, foi apoiado por quase 50% da população. Seu candidato, sua vontade de mudança imediata perdeu. Mas, na democracia, mesmo o quase tem poder. Na democracia, as minorias tem poder para pressionar o parlamento e mudar o país - vide muitos dos direitos conquistados.
E, você faz parte de uma minoria de 51 milhões de brasileiros. É uma minoria capaz de pressionar, democraticamente, para ver valer suas opiniões, direitos, conquistas.
É assim que se constrói uma democracia. É assim que se ganha.
Você quer uma democracia? Não defenda uma intervenção militar. Não defenda um impeachment, baseado em notícias de jornal.
Defenda a liberdade de imprensa. Defenda o seu voto, e, por incrível que pareça, os seus parlamentares eleitos. Exija que eles defendam você.
Há muitas formas em que você pode empregar sua energia, utilizar seu descontentamento. A defesa uma intervenção militar ou de impeachment neste momento não é uma delas.
Trabalhe para mudar. Dê valor aos impostos que você paga. Exija mudanças. Através do seu discurso, da sua influência, do seu voto.
Não através da condenação sem julgamento, que um dia pode ser sua.

Não através de um tanque, que um dia pode ser apontado em sua direção.

domingo, 2 de novembro de 2014

Censura e regulação da mídia

Este não é o blog que você precisa ler.
A revista Veja, faltando 72h para o 2º turno das eleições de 2014, publicou uma reportagem bomba, em que o doleiro Alberto Youssef dizia que o ex-presidente Lula e a candidata Dilma Roussef sabiam, há tempos, dos problemas de corrupção da Petrobrás. A revista trouxe em suas páginas um excerto de um depoimento do doleiro, que teria sido dado à Polícia Federal dias antes. A revista chegou adiantar a distribuição da revista em dois dias, para que a mesma chegasse antes às mãos dos eleitores. Outros meios de comunicação, como a Folha, o Estado de S. Paulo, e as organizações Globo (jornal e TV) limitaram-se, nestes primeiros dias, a simplesmente noticiar a publicação da revista, sem confirmar ou negar a notícia em si.

No mesmo dia, em seu programa eleitoral e repercutindo na Internet (redes sociais, blogs oficiais e oficiosos, militância virtual) o programa da candidata foi incisivo: publicar a notícia faltando dois dias para a eleição era terrorismo eleitoral, fascismo, a revista iria ser devidamente processada. Nenhuma palavra, porém, sobre a denúncia em si – da mesma presidente que havia declarado, dias antes, que “ninguém estava acima de qualquer suspeita”. Apenas a promessa – bem menos incisiva de que a garantia de que a Veja iria ser processada – de que ela iria investigar (papel que, na verdade, a Polícia Federal já está fazendo) doesse a quem doesse (lembrando o “duela a quien duela” do Collor) e que não iria deixar pedra sobre pedra. O ex-presidente limitou-se a dizer que não lia a revista. A militância através da UJS (União da Juventude Socialista, ligada ao PCdoB), foi até a sede da Abril e, democraticamente, pichou, destruiu e colocou fogo na entrada da editora.
Eu não sei de nada.

Com Dilma já eleita, os blogs governistas propagaram uma versão que, além de o advogado do doleiro desconhecer o depoimento que implicava Lula e Dilma, no dia seguinte ao depoimento (quarta feira, portanto) o mesmo doleiro havia corrigido/ desmentido o depoimento do dia anterior, invalidando toda a reportagem da Veja – a informação teria sido retirada de uma nota do Globo. A militância virtual cuidou de propagar essa versão como verdadeira, com os dizeres “Veja mente”, “Advogado desmente Veja”, “Golpe da mídia fascista” e outras palavras de ordem, inocentando a presidente reeleita e o ex-presidente. Esta notícia também foi divulgada, com menos ímpeto, pela “mídia tradicional”.

Mas, dias depois, uma nova informação: não houve desmentido, e o advogado também negou ter desmentido – ou confirmado – a notícia da revista Veja, indicando que ele não o poderia fazer, por causa do segredo de justiça. Essa informação ecoou pouco nos meios tradicionais (já que o próprio desmentido não teve muita divulgação) e absolutamente nada nos blogs governistas.

Nestas idas e vindas da informação, da publicação, da revolta, do desmentido, da não confirmação do desmentido, sempre surge uma vontade de quem está no poder de censurar a informação – de tal jeito a que só a informação favorável a quem controla a censura possa chegar à população. Podemos chamar isso de “proteção à moral”, “preservação dos bons costumes”, “apoio à cultura nacional”, “alinhamento com os interesses do país”, “regulação ‘qualquer coisa’ da mídia” (mídia aqui quer dizer simplesmente “meios de comunicação”, mas resolveram abraçar esse estrangeirismo, fazer o quê), mas, no fundo, no fundo, é apenas a velha e nada boa censura, com um verniz de modernidade e caráter “social”.

A simples ideia de alguém decidindo o que posso e o que não posso saber me causa preocupação. Passei por parte da ditadura sabendo que os jornais tinham sido “editados” com receitas de bolo e pedaços de romances – e já sabia, na época, o que isso representava – e, é claro, ficava ainda mais curioso com o que estava sendo escondido. E recebia dos adultos a explicação de que, “se o governo não quis que nós soubéssemos, é melhor não saber mesmo.”

Uma informação como essa, é claro, publicada como foi, a 72 horas da eleição, pode mudar os resultados da mesma. Mas proibir a publicação com base na eleição não é uma justificativa. Se a mesma notícia se referisse ao candidato da oposição e a Veja deixasse de publicar porque iria “prejudicar o candidato” (e eu não estou dizendo que Veja não o faria) ela também seria acusada de “golpe” (e, desta vez, acredito, com toda razão). A obrigação do meio de comunicação é averiguar a notícia (o que foi feito) e publicá-la.

Meios de comunicação livres são importantes, e necessários para a democracia. Mas, mais importante do que isso, é o Estado não tratando a cada um dos seus cidadãos como alguém que precise de um tutor, decidindo quais notícias serão e quais não serão publicadas.

Isso não quer dizer que a mídia não deve assumir as consequências do que publica. Ao contrário: significa que ela deve ser responsável e, principalmente, responsabilizada pelo que faz. Isso se aplica tanto no caso da revista Veja ou dos blogs governistas que publicaram o “desmentido” e a chamaram de golpista – dependendo de quem tenha razão nesse caso.

E também não significa que não deve haver regras específicas para a mídia. A proteção do cidadão, de sua privacidade, de informações não verdadeiras, da imparcialidade na publicação da notícia. Imparcialidade, porém, não quer dizer que o jornalista ou comentarista não pode ter uma opinião, limitando-se a dar notícias – isso nem a Hora do Brasil ou a TV Brasil fazem. Por imparcialidade entende-se, aqui, simplesmente tentar ouvir os dois lados antes de publicar uma notícia. Mas a proteção ao cidadão também passa por ele ter direito a saber o que acontece com seus representantes, e se eles realmente o representam em suas ideias, ideologias, esperanças e costumes. Seja a notícia da Veja verdadeira ou não, os cidadãos teriam todo o direito de saber antes do voto e decidir se acreditariam nela ou não, e, com sua decisão, definir seu voto. Hoje, passada a eleição, sabemos que a maioria da população decidiu pela continuidade. Tomando ou não conhecimento da informação, acreditando ou não na veracidade dela e, mais relevante ainda, dando importância ou não aquilo que foi noticiado frente aquilo que julga importante para sua vida – sejam seus benefícios, seja sua ideologia, sejam seus medos ou esperanças.
E se a mídia não noticiasse esse tipo de coisa...

Considerando isto, a divulgação de uma suposta briga entre o candidato da oposição e sua acompanhante, anos atrás, assim como outras notícias sobre seus hábitos, foi ainda mais injusta – pois atingiu o cidadão, não o candidato – ao contrário de notícias sobre o aeroporto, que atingiam o candidato, não o cidadão.

Essas regras devem proteger o cidadão que vota, e não o alijar do processo de decisão. Deve proteger quem vai escolher o futuro do país, e não quem está se candidatando para um cargo eletivo.

Se o governo está realmente preocupado com o impacto das informações sobre o eleitorado, a única e duradoura forma de fazer isso é através da universalização da comunicação e da educação. Desta forma, o cidadão pode escolher, livremente, quais informações receber, em quais acreditar, e quais considerar em suas decisões.

..., como ficaríamos sabendo?
E há, claro, outras regulamentações que podemos considerar, que evitem expor crianças, ou fazer apologia de crimes, ou perpetuar estereótipos, ou qualquer outra coisa que nos prejudique como sociedade – mas nada que torne mais difícil o acesso do cidadão a opiniões ou fatos que ajudem em nossas decisões. Coisas como faixas de horário (na TV, rádio) para programas e propagandas, ou mesmo recomendações são bem vindas. Não deixar que um mesmo grupo controle toda a informação, da mesma forma que nos outros mercados, também é importante. Mas não mais do que fazer com que políticos (e suas famílias) não possam ter concessões.

E, falando em concessões, algo também importante. Rádios e TVs se utilizam de faixas de ondas que são reguladas e controladas pelo Estado. Para cada concessão, além do pagamento de taxas para sua utilização, deveria haver uma contrapartida para o cidadão – não para o Estado. Estes poderiam ter sua concessão retirada caso não obedecessem aos parâmetros definidos no contrato de concessão.

No caso das revistas e jornais, e da internet, não há essa concessão. Então, o que pode ser feito é simplesmente o uso das leis. E do público, que vai deixar ou continuar a consumir aquela informação.
  
Em resumo, não importa qual a roupagem que dão a censura.


Ela não é desejável ou necessária para nosso país, em quaisquer circunstâncias.

E a pior coisa sobre a censura é que ela é censura.

David Araújo

PS. uma ótima série sobre como eu acho que a imprensa poderia ser é "The Newsroom", As duas temporadas (a terceira vem por aí) tratam exatamente sobre a liberdade de imprensa, e, de forma ficcional, como a mídia poderia ajudar o cidadão a se decidir - inclusive, errando fragorosamente. 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

De quem é a culpa?


O primeiro passo para se resolver um problema é reconhecer que há um problema.

Dizer que o país não está dividido depois da eleição é tentar se enganar e contribuir para agravar o problema. Culpar o Nordeste, os pobres, os beneficiários do bolsa-família pela eleição de Dilma é apenas declarar meio sem jeito e sem um pingo de vergonha que não conhece as regras da democracia - ou que não concorda com elas -, ou a simples questão do um homem, um voto. É colocar o outro em posição inferior. É dizer que eles não merecem votar.

As armas, soldados.

Mas não foram esses que elegeram o PT. Na verdade, se quiser culpar alguém, culpe aquela pessoa que não votou, ou votou em branco ou nulo. Foram 29% dos eleitores. Que poderiam até querer que as coisas mudassem, mas preferiram viajar. Provavelmente este eleitor era seu amigo, seu vizinho, seu parente, perto de você. Não lá longe do outro lado do país. Mas este eleitor também decidiu deixar para outro escolher (independente do que ele ache, foi exatamente isso que ele fez: deixou que os outros escolhessem por ele).

Esses eleitores acreditaram que seus votos não iriam fazer diferença, e, com isso, aceitaram tacitamente que as pessoas que dão valor ao voto decidissem – e, infelizmente para quem esperava mudar o governo, a maioria dessas pessoas escolheu o PT para os próximos quatro anos.

Esses eleitores, cidadãos que tem (ou deveriam ter) os mesmos direitos de qualquer outro eleitor e que escolheram a continuidade assim o fizeram porque o Estado tem chegado até eles – com benefícios, discursos, ideologias, ameaças, mentiras, assistência, colocando-os como cidadãos, levando o Estado até eles, fazendo-os confundirem os conceitos de governo, partido, estado, acirrando o neocoronelismo, dando esperança, enchendo-os de medo, criando empregos, escondendo estatísticas. Não importa: o que importa é que o PT tem chegado até estes eleitores com eficiência, e conquistado o coração dos mesmos.


Algo que a oposição não tem conseguido fazer.

Ou tem tentado fazer apenas em época de eleições.

Pra que parar na separação do Sudeste?
A oposição deveria estar preocupada – e os eleitores da oposição, também – em como fazer com que as idéias, esperança, ideologias e resultados da sua forma de ver o país cheguem até essas pessoas – e que elas possam decidir. Devem fazer o possível para convencer e ganhar corações e votos. Devem estar presentes no Senado, na Câmara.

Devem estar presentes não apenas daqui a quatro anos.

Devem demonstrar e se orgulhar de seus feitos.

Colocar a culpa em uma classe de eleitores é de uma arrogância sem tamanho. É dizer que seu voto é melhor do que o deles. Eles escolheram conforme as informações que tinham – aquelas informações que acharam confiáveis. Escolheram aquilo que consideraram que lhes garantiria o seu conforto. Do mesmo jeito que eu e você. Pode ser que a informação que eles tinham era só a oficial, ou a oficiosa. Pode ser mentira. Mas eles decidiram da mesma forma que todos os outros eleitores. E, para melhorar a qualidade do voto, só mesmo com mais educação, para que o eleitor (todos) possa filtrar a informação segundo seus próprios critérios.
Demoramos para chegar aqui. Jogar fora é bobagem.


Não aceito pensar em alguém decidindo qual informação posso ter ou não para tomar minhas decisões. E não aceitar isso para ninguém, seja a Veja, a Carta Capital, a Globo, a Hora do Brasil ou qualquer outra fonte de informação.

Não há culpa. Há lições a serem aprendidas.

Nada mais resta a não ser aceitar o resultado da eleição, e, democraticamente, começar a pensar em 2018.

Pensar em jogar quase 500 anos de união do Brasil por causa de 16 não é só errado. É também uma demonstração de como nossa democracia precisa amadurecer – como seus eleitores.

David Araújo

Sobre o preconceito paulista, escrevi este post.

Fontes:
Figuras da Wikipedia e 


domingo, 26 de outubro de 2014

O que eu quero


A cara do nosso governo.
Mas com as piores ideias.

Já cumpri minha obrigação eleitoral, hoje, indo até a seção. Também cumpri meu direito de votar para presidente da República.

Votei pela mudança, por não concordar com os rumos da economia, por não concordar com as mentiras, os encobrimentos, a falta de eficiência do governo – não porque eu tenho alguma fé no outro; só acredito, pelo que aconteceu nos últimos 12 anos, que este não vai fazer o que precisa ser feito. Ainda mais com a aprovação da população. Do mesmo jeito que ocorre em São Paulo.

Eleger a oposição, segundo o governo atual, é eleger as ideias de 12 anos atrás, com outras pessoas.

Reeleger o governo atual é votar nas mesmas ideias que estão aí há 12 anos, com as mesmas pessoas.

Reconheço os progressos que fizemos nos últimos anos, mas também reconheço os progressos e a importância do que aconteceu nos anos anteriores. Ao contrário do que grande parte dos situacionistas acredita, não considero que houve uma revolução no último governo e que, muito do que aconteceu agora na verdade dependeu das modificações anteriores. Se houve alguma revolução na vida do brasileiro, foi a derrubada da inflação. Nisso, sim, podemos considerar que o Brasil acordou diferente de um dia para outro.

E, ao contrário do que o governo federal quer nos fazer acreditar, também não considero que essas conquistas sejam tão frágeis e que eles são os paladinos protetores – são mudanças conquistadas pela Nação, e que são válidas exatamente por isso. Essas mudanças não deveriam depender da permanência de único partido no poder.

Não tenho dúvidas dos avanços nos direitos das minorias que ocorreram no período deste governo. Mas sei também que eles tiveram pouco ou nada a ver com a atitude do governo em si. Foi esse governo que vendeu a vaga da Comissão de Direitos Humanos da Câmara para o Feliciano, foi esse governo que disse que não faria propaganda de “opção sexual” ao vetar o kit anti-homofobia, foi esse governo que não se manifestou pro ou contra o aborto. E, caso a sociedade não mude nesses aspectos, o próximo governo vai ser igual – independente de quem for eleito. Na verdade, as novelas da Globo tem mais participação na conquista de direitos do que toda e qualquer mudança de governo, quando integram essas ditas minorias como protagonistas. Foi também o governo que se grudou naquilo que é de mais atrasado na política, mesmo tendo reclamando, criticado e condenado tudo isso no passado.

Não quero um governo que diga o que alguém pode ou não pode fazer com seu corpo. Mas também não quero um que diga o que eu posso e o que eu não posso pensar, um que não queira me dizer o que é certo e o que é errado.

Ou mesmo que um indivíduo não pode classificar algo como “certo” ou “errado”.

Quero um governo que, numa reeleição, possa se concentrar mais no que fez e menos nos defeitos dos outros candidatos. Um governo que não precise mentir sobre o que o outro candidato vai ou não vai fazer. Um governo que não precise se preocupar em censurar a manchete de uma revista, pois vai ter moral para que as pessoas saibam que a revista está mentindo ou não. Um governo que pregue a paz entre os militantes, e que respeite o contraditório.

É o que querem que você acredite estar escolhendo.
Quero um governo que tente unir o Brasil, e não o separar segundo sua raça, religião, estado social, região, opinião política, sexualidade ou quaisquer outros itens. Um que não trate os movimentos como massa de manobra – sua, quando favorável a ele, e dos inimigos, quando desfavoráveis.

Quero um governo que não tente enganar a população com a imposição de deveres e direitos. Um governo que possa ouvir os anseios da população, sem olhar para ela com desconfiança. Um governo que não se esqueça dos menos afortunados, mas que os trate como cidadãos iguais a todos, não como massa de votantes, enganando-os, ameaçando, tornando-os prisioneiros de seus planos. Um governo que tenha orgulho de ajudar as pessoas a não precisarem mais de seus planos sociais, e não bater no peito quando o número de famílias que necessitam dele aumenta a cada dia. Um governo que não saia com planos mirabolantes para importar novos médicos, mas que dê condição a que os brasileiros médicos sejam formados e queiram trabalhar aqui no nosso país.
Quero um governo que não fique com ideias fascistas de expulsar do país jornalistas que digam algo negativo. Um governo que não idolatre fascistas, e que coloque sua população acima de seu partido. Um governo que reconheça seus erros, e não tente escondê-los.
Quero um governo em que eu não tenha que me preocupar em elegê-lo e, logo depois, o mesmo sofrer um impeachment.
Um governo que não dependa de uma só pessoa.
Civilidade na eventual troca de governo também é uma boa ideia.


Quero um governo que não trate as pessoas como beneficiários, minorias, elites, contribuintes, trabalhadores, empresários, apoiadores, opositores, amigos, inimigos, eleitores. Quero um governo que trate a todos como cidadãos.

Não sei se um eventual novo governo do PSDB iria fazer isso.

Realmente não sei.

Sei, porém, que dar uma carta branca para o governo atual continuar a fazer tudo do jeito que está fazendo é algo que não passa pela minha cabeça
.
E também sei que, não importa quem seja eleito, provavelmente em 2 de janeiro estarei, como nos 20 últimos anos, fazendo oposição crítica a quem quer que esteja no governo.

No mais, daqui a pouco as urnas são fechadas, e acredito que antes das 21h já saibamos quem será presidente do Brasil nos próximos 4 anos.

Apesar da minha preferência pessoal pela mudança, creio que, quem quer que ganhe ou perca, vai depender de nossa atitude, a partir de amanhã, para fazer com que quem ganhe a eleição seja, verdadeiramente, o país.


David Araújo

sábado, 25 de outubro de 2014

Eleitores situacionistas e a informação

A edição da revista Veja com as supostas denúncias do doleiro (ainda não li na íntegra, então, não vou comentar... ainda) causou uma gama de reações nos eleitores da candidata. A reação mais extremada foi a pichação na sede da Editora Abril em São Paulo (ainda bem que foi com tinta, se fosse com água não iriam conseguir). Outras reações ficaram entre a da própria candidata (chamar a publicação de "terrorismo eleitoral") e a de seu padrinho político, o presidente Lula (dizer que não lê a revista).

Há algum tempo venho acompanhando as reações dos eleitores do PT em relação à informação (e, de novo, não quero entrar no mérito de se as informações são verdadeiras ou não), ao vivo, por e-mail, chat, facebook, tv, rádio, e essas reações não são diferentes das de quaisquer outros eleitores situacionistas. Isso se dá porque os eleitores da situação já têm cristalizados as conquistas que consideram importantes e, além disso, já investiram seu tempo em discussões e argumentos para convencer aos seus pares e principalmente a si mesmos dos motivos pelos quais a continuidade é melhor do que a mudança (retroagir ou progredir de maneira diferente, não importa). 

Porém, com o clima de discurso de ódio separatista que parece ter sido instalado nos últimos governos (atualmente, enquanto os situacionistas argumentam que é um movimento antipetista, os oposicionistas afirmam que foi alimentado pelo próprio PT), as gradações foram ficando cada vez mais claras, até que se configurem em divisões reais.

Essas divisões indicam como o eleitor trata essa informação, e como esse tratamento - e não a informação em si - o leva a sedimentar uma decisão já tomada.

Se você não concordar ou quiser contribuir, por favor, coloque nos comentários. Desde que não ofensivos (também vale para a língua portuguesa) agradeço desde já.

O eleitor sem acesso à informação – o isolado
Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. 
Esse tipo de eleitor está isolado da informação, seja pela distância, seja pela falta de recursos, seja por um isolamento de seu grupo (comunidade, agrupamento, coletivo) que impede que a informação chegue a ele. Isso não quer dizer que o mesmo não tenha nenhuma informação (o isolamento total é impossível nos dias de hoje) quer dizer apenas que ele só recebe a informação filtrada e que, obviamente, é sempre favorável à situação. Normalmente, esse eleitor é apartidário e não considera uma vertente esquerda/direita.

É nesse eleitor que se concentra o coronelismo e o neocoronelismo, em suas duas vertentes (o voto por ameaça de retirada de benefícios ou o voto de gratidão pela concessão de benefícios).

Ainda que este eleitor vote na continuidade, do ponto de vista da fidelidade do voto é o mais frágil. O contato com a informação pode facilmente mudar seu voto. A sua escolha se dá apenas por informações não-contraditórias, positivas para a situação, negativas para a oposição.

Este eleitor costuma colocar os outros eleitores, independente da orientação situacionista ou oposicionista, como fontes de informação.


O eleitor com acesso à informação, mas que escolhe não se informar – o iludido
The truth is... I'm Iron Man.
Para este tipo de eleitor, buscar a informação é perverter seu processo de decisão: ele já sabe o que precisa saber, já vê as coisas acontecendo, conversa com as pessoas na rua, não precisa se expor a qualquer tipo de informação que possa mudar sua opinião cristalizada. No caso anterior, do isolado, há um isolamento involuntário (ele não é refratário a informação); no caso deste, o isolamento é voluntário (ele se cerca de pessoas que pensem como ele). Quando este eleitor é obrigado a se expor a alguma informação contrária (por exemplo, numa conversa com um oposicionista) ele comumente se aferra aos recursos que reforçam sua posição (sua própria experiência, ou a experiência de outros como ele). A fonte de informação, nesse caso, tende a ser isolada dele e de seu grupo, para que não haja "contaminação".

A continuidade, para este eleitor, representa um "acerto" em suas escolhas anteriores - o que ele considera como uma vitória própria e de seu grupo/entorno. O voto deste eleitor é de média fidelidade, pois o esforço para manter-se isolado da informação é alto, e depende sempre de se manter um grupo coeso de pessoas a sua volta, protegendo-se da informação.

Este eleitor costuma colocar os eleitores situacionistas como fontes de informação e os oposicionistas como iludidos ou mal-intencionados.

 
chmod 777 mine;
rm -f  others
O eleitor com acesso à informação, mas que a filtra com base em sua ideologia – o paranóico
Os eleitores estão expostos as informações, mas suas reações dependem unicamente do quanto se encaixam em suas ideias preconcebidas (as notícias positivas são verdadeiras, as notícias negativas são falsas e denotam conspiração, golpe ou a "influência de forças invisíveis").  

Ao contrário do grupo anterior, dos eleitores que escolhem não se informar, toda informação é cuidadosamente filtrada, e, muitas vezes com alguma falácia como o argumento de autoridade (a presidente disse que era mentira, e ela é a presidente) ou ad hominem (o FHC disse, é mentira) para justificar sua posição em relação à informação. A confiabilidade da fonte é determinada apenas no conteúdo da informação. Assim, a mesma mídia (a Folha de S. Paulo ou a Globo, por exemplo) pode ser considerada no mesmo dia como "golpista" ou como fonte de notícias extremamente confiável ("deu na Folha", por exemplo, é citado por muitos situacionistas antes de alguma notícia favorável ao governo ou contrária aos oposicionistas).

A informação que não serve para reforçar suas idéias é descartada, não influenciando no seu processo decisório, ou reforçando a idéia do "perseguido" ou dos "iluminatti", quase sempre envolvendo alguma teoria da conspiração.

São fidelíssimos e dogmáticos quanto às suas escolhas, apesar de tentarem sempre justificar comum fino (em relação à espessura, não a qualidade) verniz de racionalidade. Tendem a reagir de forma agressiva (verbal ou fisicamente) quando suas idéias são confrontadas.

Para os paranóicos, os eleitores situacionistas são amigos e os oposicionistas são inimigos.

O eleitor com acesso à informação, e que a reconhece como tal – o ideológico
C'mon grab your friends.

O que diferencia o tipo anterior de eleitor deste é que, enquanto aqueles filtram a informação de modo a se encaixar em suas ideias preconcebidas, estes sabem que as informações desabonadoras a seus candidatos são verdadeiras, mas, mesmo assim, justificam suas posições que a eleição de seus candidatos é um mal menor, ou que não há outra forma de agir politicamente, ou os fins justificam os meios, ou que tais atitudes são necessárias para um bem maior para a coletividade, ou que os benefícios já conquistados ou a serem alcançados no futuro podem estar ameaçados com a descontinuidade do poder vigente.

Este eleitor tem o discernimento para separar as informações (em verdadeiras ou falsas) independentemente da fonte ou do teor das mesmas. Normalmente, o argumento utilizado para justificar o voto é que o adversário (ou adversários) é igual ou pior.

Este eleitor faz uma escolha racional, dentro de seus próprios parâmetros (p.ex., "rouba mas faz" é a tradução de "os fins justificam os meios").

Porém, seu voto está ligado à sua consciência. Há um limite individual que não pode ser cruzado, ou este eleitor abandona àquela candidatura; se a linha for cruzada lentamente, o eleitor tente a migrar para posições ou partidos ideologicamente semelhantes; se a decepção for grande, o eleitor pode ser jogado definitivamente na oposição àquele candidato ou simplesmente passa a ignorar qualquer um.

Para este eleitor, os isolados, os iludidos e os paranóicos são elementos importantes para a manutenção do status quo – mesmo que não se concorde com suas ideias, são necessários para volume e pressão, ou para democraticamente aprovar a continuidade. Muitos dos eleitores ideológicos se esforçam para trazer os outros eleitores a este nível. Uma relação diferente se dá com o próximo tipo de eleitor.

O eleitor com acesso à informação, e que a usa para seu próprio benefício – o pragmático
- Nem pássaro, nem avião.
É o inimigo.
Kriptonita disponível
na Lexshop mais próxima.

Este tipo de eleitor, como o anterior, sabe que há informações verdadeiras e falsas, e as identifica com facilidade. A única diferença: sua reação não é ideológica, mas de cunho pessoal. Pode não ser uma escolha moral, mas é uma reação racional.

Normalmente, ocupa alguma posição na hierarquia de poder, e seu lugar é mantido pela continuidade. 

Este é o voto mais firme, ao mesmo tempo, e mais volátil: defende a continuidade com unhas e dentes, mas pode mudar de posição assim que o poder muda de lado.

Ele vê os isolados, iludidos e paranóicos como massa de manobra, a ser utilizada para seus fins – nem que para isso tenha que agir violentamente contra a sociedade.

A relação com os ideológicos, porém, é conflituosa. Os ideológicos aceitam a existência dos pragmáticos por acreditar na necessidade da existência dos mesmos – muitas vezes, coordenando ou incitando os iludidos e os paranóicos para fazer o “trabalho sujo que tem de ser feito” – e que, com o tempo, eles serão eliminados. Os pragmáticos aceitam os ideológicos como sustentação de seu status quo, e como ponte com os outros tipos de eleitor.

Bem, são estes. Como sempre, comentários abertos - apenas moderados para manter um nível aqui.



David Araújo