sábado, 25 de outubro de 2014

Eleitores situacionistas e a informação

A edição da revista Veja com as supostas denúncias do doleiro (ainda não li na íntegra, então, não vou comentar... ainda) causou uma gama de reações nos eleitores da candidata. A reação mais extremada foi a pichação na sede da Editora Abril em São Paulo (ainda bem que foi com tinta, se fosse com água não iriam conseguir). Outras reações ficaram entre a da própria candidata (chamar a publicação de "terrorismo eleitoral") e a de seu padrinho político, o presidente Lula (dizer que não lê a revista).

Há algum tempo venho acompanhando as reações dos eleitores do PT em relação à informação (e, de novo, não quero entrar no mérito de se as informações são verdadeiras ou não), ao vivo, por e-mail, chat, facebook, tv, rádio, e essas reações não são diferentes das de quaisquer outros eleitores situacionistas. Isso se dá porque os eleitores da situação já têm cristalizados as conquistas que consideram importantes e, além disso, já investiram seu tempo em discussões e argumentos para convencer aos seus pares e principalmente a si mesmos dos motivos pelos quais a continuidade é melhor do que a mudança (retroagir ou progredir de maneira diferente, não importa). 

Porém, com o clima de discurso de ódio separatista que parece ter sido instalado nos últimos governos (atualmente, enquanto os situacionistas argumentam que é um movimento antipetista, os oposicionistas afirmam que foi alimentado pelo próprio PT), as gradações foram ficando cada vez mais claras, até que se configurem em divisões reais.

Essas divisões indicam como o eleitor trata essa informação, e como esse tratamento - e não a informação em si - o leva a sedimentar uma decisão já tomada.

Se você não concordar ou quiser contribuir, por favor, coloque nos comentários. Desde que não ofensivos (também vale para a língua portuguesa) agradeço desde já.

O eleitor sem acesso à informação – o isolado
Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. Trim. 
Esse tipo de eleitor está isolado da informação, seja pela distância, seja pela falta de recursos, seja por um isolamento de seu grupo (comunidade, agrupamento, coletivo) que impede que a informação chegue a ele. Isso não quer dizer que o mesmo não tenha nenhuma informação (o isolamento total é impossível nos dias de hoje) quer dizer apenas que ele só recebe a informação filtrada e que, obviamente, é sempre favorável à situação. Normalmente, esse eleitor é apartidário e não considera uma vertente esquerda/direita.

É nesse eleitor que se concentra o coronelismo e o neocoronelismo, em suas duas vertentes (o voto por ameaça de retirada de benefícios ou o voto de gratidão pela concessão de benefícios).

Ainda que este eleitor vote na continuidade, do ponto de vista da fidelidade do voto é o mais frágil. O contato com a informação pode facilmente mudar seu voto. A sua escolha se dá apenas por informações não-contraditórias, positivas para a situação, negativas para a oposição.

Este eleitor costuma colocar os outros eleitores, independente da orientação situacionista ou oposicionista, como fontes de informação.


O eleitor com acesso à informação, mas que escolhe não se informar – o iludido
The truth is... I'm Iron Man.
Para este tipo de eleitor, buscar a informação é perverter seu processo de decisão: ele já sabe o que precisa saber, já vê as coisas acontecendo, conversa com as pessoas na rua, não precisa se expor a qualquer tipo de informação que possa mudar sua opinião cristalizada. No caso anterior, do isolado, há um isolamento involuntário (ele não é refratário a informação); no caso deste, o isolamento é voluntário (ele se cerca de pessoas que pensem como ele). Quando este eleitor é obrigado a se expor a alguma informação contrária (por exemplo, numa conversa com um oposicionista) ele comumente se aferra aos recursos que reforçam sua posição (sua própria experiência, ou a experiência de outros como ele). A fonte de informação, nesse caso, tende a ser isolada dele e de seu grupo, para que não haja "contaminação".

A continuidade, para este eleitor, representa um "acerto" em suas escolhas anteriores - o que ele considera como uma vitória própria e de seu grupo/entorno. O voto deste eleitor é de média fidelidade, pois o esforço para manter-se isolado da informação é alto, e depende sempre de se manter um grupo coeso de pessoas a sua volta, protegendo-se da informação.

Este eleitor costuma colocar os eleitores situacionistas como fontes de informação e os oposicionistas como iludidos ou mal-intencionados.

 
chmod 777 mine;
rm -f  others
O eleitor com acesso à informação, mas que a filtra com base em sua ideologia – o paranóico
Os eleitores estão expostos as informações, mas suas reações dependem unicamente do quanto se encaixam em suas ideias preconcebidas (as notícias positivas são verdadeiras, as notícias negativas são falsas e denotam conspiração, golpe ou a "influência de forças invisíveis").  

Ao contrário do grupo anterior, dos eleitores que escolhem não se informar, toda informação é cuidadosamente filtrada, e, muitas vezes com alguma falácia como o argumento de autoridade (a presidente disse que era mentira, e ela é a presidente) ou ad hominem (o FHC disse, é mentira) para justificar sua posição em relação à informação. A confiabilidade da fonte é determinada apenas no conteúdo da informação. Assim, a mesma mídia (a Folha de S. Paulo ou a Globo, por exemplo) pode ser considerada no mesmo dia como "golpista" ou como fonte de notícias extremamente confiável ("deu na Folha", por exemplo, é citado por muitos situacionistas antes de alguma notícia favorável ao governo ou contrária aos oposicionistas).

A informação que não serve para reforçar suas idéias é descartada, não influenciando no seu processo decisório, ou reforçando a idéia do "perseguido" ou dos "iluminatti", quase sempre envolvendo alguma teoria da conspiração.

São fidelíssimos e dogmáticos quanto às suas escolhas, apesar de tentarem sempre justificar comum fino (em relação à espessura, não a qualidade) verniz de racionalidade. Tendem a reagir de forma agressiva (verbal ou fisicamente) quando suas idéias são confrontadas.

Para os paranóicos, os eleitores situacionistas são amigos e os oposicionistas são inimigos.

O eleitor com acesso à informação, e que a reconhece como tal – o ideológico
C'mon grab your friends.

O que diferencia o tipo anterior de eleitor deste é que, enquanto aqueles filtram a informação de modo a se encaixar em suas ideias preconcebidas, estes sabem que as informações desabonadoras a seus candidatos são verdadeiras, mas, mesmo assim, justificam suas posições que a eleição de seus candidatos é um mal menor, ou que não há outra forma de agir politicamente, ou os fins justificam os meios, ou que tais atitudes são necessárias para um bem maior para a coletividade, ou que os benefícios já conquistados ou a serem alcançados no futuro podem estar ameaçados com a descontinuidade do poder vigente.

Este eleitor tem o discernimento para separar as informações (em verdadeiras ou falsas) independentemente da fonte ou do teor das mesmas. Normalmente, o argumento utilizado para justificar o voto é que o adversário (ou adversários) é igual ou pior.

Este eleitor faz uma escolha racional, dentro de seus próprios parâmetros (p.ex., "rouba mas faz" é a tradução de "os fins justificam os meios").

Porém, seu voto está ligado à sua consciência. Há um limite individual que não pode ser cruzado, ou este eleitor abandona àquela candidatura; se a linha for cruzada lentamente, o eleitor tente a migrar para posições ou partidos ideologicamente semelhantes; se a decepção for grande, o eleitor pode ser jogado definitivamente na oposição àquele candidato ou simplesmente passa a ignorar qualquer um.

Para este eleitor, os isolados, os iludidos e os paranóicos são elementos importantes para a manutenção do status quo – mesmo que não se concorde com suas ideias, são necessários para volume e pressão, ou para democraticamente aprovar a continuidade. Muitos dos eleitores ideológicos se esforçam para trazer os outros eleitores a este nível. Uma relação diferente se dá com o próximo tipo de eleitor.

O eleitor com acesso à informação, e que a usa para seu próprio benefício – o pragmático
- Nem pássaro, nem avião.
É o inimigo.
Kriptonita disponível
na Lexshop mais próxima.

Este tipo de eleitor, como o anterior, sabe que há informações verdadeiras e falsas, e as identifica com facilidade. A única diferença: sua reação não é ideológica, mas de cunho pessoal. Pode não ser uma escolha moral, mas é uma reação racional.

Normalmente, ocupa alguma posição na hierarquia de poder, e seu lugar é mantido pela continuidade. 

Este é o voto mais firme, ao mesmo tempo, e mais volátil: defende a continuidade com unhas e dentes, mas pode mudar de posição assim que o poder muda de lado.

Ele vê os isolados, iludidos e paranóicos como massa de manobra, a ser utilizada para seus fins – nem que para isso tenha que agir violentamente contra a sociedade.

A relação com os ideológicos, porém, é conflituosa. Os ideológicos aceitam a existência dos pragmáticos por acreditar na necessidade da existência dos mesmos – muitas vezes, coordenando ou incitando os iludidos e os paranóicos para fazer o “trabalho sujo que tem de ser feito” – e que, com o tempo, eles serão eliminados. Os pragmáticos aceitam os ideológicos como sustentação de seu status quo, e como ponte com os outros tipos de eleitor.

Bem, são estes. Como sempre, comentários abertos - apenas moderados para manter um nível aqui.



David Araújo

Um comentário:

  1. Para complementar a questão dos tipos de eleitores, cabe aqui uma reflexão sobre o ótimo blog do Adriano Silva em http://adrianosilva.ig.com.br/index.php/2014/04/07/voce-ainda-sabe-se-e-de-direita-ou-de-esquerda/

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